Paisagens, segurança, preços: a primeira visita de uma turista ao Rio
Jodi KantorNew York Times Syndicate
Esse foi o motivo para minha filha e eu termos viajado ao Rio em dezembro, para experimentar uma beleza urbana tão intensa que até mesmo os moradores locais param para aplaudir. O Rio pode ser a cidade mais voluptuosa do mundo, com praias suaves, montanhas dramáticas, cachoeiras, uma floresta tropical, lagoa e orquídeas –plantadas pelos moradores– espreitando das viçosas árvores antigas que margeiam as ruas. Mamões e jacas caem dos galhos por toda a cidade, símbolos de sua doçura abundante. Ela faz Miami parecer Cleveland.
Eu também tinha outro motivo: eu queria testar o Rio novo e supostamente mais seguro. Até recentemente, a cidade era considerada um destino risivelmente impróprio para uma viagem de mãe e filha, com a via expressa que a liga ao aeroporto às vezes interditada devido aos tiroteios relacionados às drogas e alertas aos turistas que começam com frases como "para minimizar as chances de sequestro..." Mas nos últimos anos, a forte economia nacional e a dupla honra de sediar a Copa do Mundo (por todo o Brasil em 2014) e os Jogos Olímpicos (no Rio em 2016) levaram a cidade de seis milhões de habitantes a se repaginar. As autoridades brasileiras se gabam de que o índice de homicídios no Rio caiu para o ponto mais baixo em décadas, supostamente abaixo do de cidades americanas como Baltimore e Saint Louis. As gangues do narcotráfico foram expulsas de seus antigos redutos nos bairros à beira-mar preferidos pelos turistas. As revistas de viagem descrevem o Rio como um destino a ser visitado, e para as crianças parecia ser um local paradisíaco, com macacos do tamanho de pássaros, sorvetes feitos de frutas amazônicas misteriosas e com apenas poucas horas de diferença de fuso horário em relação à Costa Leste americana. Eu reservei duas passagens.
Mas assim que comecei a conversar com amigos e agentes de viagem que realmente conheciam a cidade, fiquei apreensiva, temerosa de que a reabilitação do Rio era mais um golpe de relações públicas do que realidade. As histórias ruins do Rio são realmente ruins; muitas envolvem turistas e algumas são desconfortavelmente recentes. Você nunca saberia ao olhar o atraente site do Hotel Santa Teresa, um dos estabelecimentos mais adoráveis e caros na cidade, por exemplo, que seus hóspedes foram assaltados à mão armada em 2011. Que um ano antes uma gangue do narcotráfico fez 30 pessoas reféns no InterContinental Hotel. Eu também comecei a ouvir de amigos histórias de assaltos e batedores de carteira, assim como alertas sobre os serviços de emergência ainda fracos do Rio –isto é, boa sorte para conseguir uma ambulância.
Assim, nós partimos com uma dúvida: seria possível experimentar o Rio com prazer máximo e risco mínimo?
Poucas horas depois de nossa chegada, estávamos sentadas na praia no bairro nobre e calmo do Leblon, sendo instruídas por amigos brasileiro-americanos sobre a arte de ir à praia no Rio. Os americanos levam uma minivan cheia de equipamentos para a praia; os cariocas não levam quase nada, apenas as sandálias de tiras, óculos escuros, telefone e a canga. Vendedores alugam cadeiras e guarda-sóis e vendem tudo mais que você possivelmente pode precisar, de queijo grelhado até tops de biquínis, que eles carregam pendurados em guarda-sóis.
Enquanto um buffet de opções passava por nós, fizemos tudo o que nossos amigos Christina e Sundeep nos disseram para fazer: provamos as lichias frescas, bebemos água de coco servida em uma concha verde, assistimos a um senhor de 70 anos fazendo cooper sob o calor de 32º C. O Leblon fica na borda oeste das famosas praias em duplo crescente da cidade, mais tranquila e com imóveis mais caros do que Ipanema e Copacabana, ao leste. Cada trecho de praia é um pequeno mundo próprio e nossos anfitriões nos apontaram os pontos dos maconheiros, dos gays e outros grupos.
A praia do Leblon certamente parecia segura naquela tarde, com a única agitação vindo das crianças –entre elas minha filha– gritando enquanto pulavam nas ondas rasas. Mas mesmo aqui eu fui alertada a ficar atenta: nunca usar joias e carregar apenas dinheiro suficiente para o dia. Minha sensação de "será que ficaremos seguras" voltou.
Aqui está o clichê de viagem que ganha vida no Rio mais do que em qualquer outra das grandes cidades do mundo: passe o máximo de tempo possível com pessoas que realmente conheçam o lugar. Contate por e-mail o colega de faculdade de sua irmã que morou lá por cinco anos, ou sua colega cujo primo mora em Copacabana. Veja o que o Facebook e o Twitter podem fazer por você. E se tudo mais fracassar, contrate um guia turístico ou dois, como fizemos. Eu já visitei muitas cidades estrangeiras antes apenas com um pouco de pesquisa com antecedência, um guia e um mapa. Mas o Rio é diferente, com relativamente poucas pessoas que falam inglês, uma língua que não pode ser fingida e uma reputação de crimes de rua que deixa você relutante em ficar em uma esquina olhando para um mapa.
Quando minha filha e eu saíamos por conta própria, frequentemente considerávamos a cidade quente e confusa, com pouco ar condicionado (mesmo nos restaurantes caros) e serviço que poderiam ser melhor descritos como lentos. Em uma tarde decidimos explorar Ipanema, o bairro à beira-mar da canção famosa, imaginando que visitaríamos seus mercados e lojas, talvez comprássemos sandálias e que almoçaríamos. Nós permanecemos em frente a restaurantes cujos maîtres nunca nos conduziam ao nosso lugar, passavam nosso cartão de banco em uma série de máquinas que não funcionavam e finalmente voltamos para a piscina do hotel derrotadas.
Mas toda vez que estávamos com nossa nova rede de amigos cariocas, uma metrópole muito mais amistosa surgia, com refúgios de cobertura e iguarias que não saberíamos pedir. Foi assim que fomos parar no dia seguinte no Clube dos Caiçaras, um clube privado na lagoa, situado próximo da praia do Leblon. A temperatura superava os 42ºC (o Rio costuma ficar na faixa dos 30ºC no verão) e uma amiga de Christina, Cláudia, ficou com pena de nós, nos convidando para ir ao seu clube.
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Criança anda de tirolesa no Parque da Catacumba, no Rio de Janeiro
Quando partimos do clube, minha filha me perguntou o que a palavra "exclusivo" significava. É difícil estar no Rio atualmente e não pensar a respeito de dinheiro e classe, em parte porque todo mundo conversa sobre a alta dos preços: o equivalente a US$ 20 por coquetéis, US$ 40 por pratos de entrada e US$ 80 por trajes de banho para crianças. Ainda é possível viajar para lá sem pagar preços absurdos –ficamos em dois hotéis adoráveis em dezembro por diárias abaixo de US$ 250 e minha filha comeu muitos salgadinhos de queijo por aproximadamente um dólar cada.
Mas o Rio se tornou uma cidade onde as pessoas falam com ironia sobre quão baratos estão os apartamentos em Nova York. E apesar do boom econômico que ergueu o Rio também ter reduzido a pobreza e ampliado a classe média do país, a desigualdade entre os novos ultrarricos do Brasil e seus pobres perpétuos é impossível de não sentir. A piscina projetada por Philippe Starck na cobertura do hotel Fasano, onde as diárias custam US$ 750 ou mais, dá vista para a democrática praia do Arpoador de um lado, e para uma favela no outro, criando uma cena na qual os plutocratas relaxam enquanto olham para os lares dos trabalhadores.
Eu me perguntava se e como visitar uma das favelas que cobrem os morros do Rio. Elas são algumas das estruturas urbanas mais famosas do mundo: amontoados de moradias "faça você mesmo" que passaram décadas com pouco reconhecimento oficial pelas autoridades brasileiras, muito menos policiamento, coleta de lixo ou serviço de esgoto. Desde 2008, em parte em um esforço para reduzir a criminalidade do Rio antes dos Jogos Olímpicos, o governo vem "pacificando" as favelas, as livrando do narcotráfico, fornecendo a elas mais serviços e as tornando mais seguras para os visitantes. Se não fosse, eu deixaria de ver alguns dos bairros que mais mudam e são cheios de histórias do Rio.
Mas perguntar sobre visitar uma favela significa receber uma enxurrada de conselhos conflitantes: de americanos, que alertam que fazê-lo é "turismo de pobreza" de mau gosto; e de brasileiros de classe média e classe alta confusos, para os quais as favelas simbolizam miséria e criminalidade.
"Os cariocas não vão", me disse Cláudia no clube. "Eu nunca penso nisso." A orientação do Departamento de Estado americano a respeito do Brasil conta com um forte alerta a respeito da visita a favelas: "a capacidade da polícia de prestar assistência, especialmente à noite, pode ser limitada (...) esteja ciente de que nem a empresa de turismo e nem a polícia da cidade podem garantir sua segurança". Alguns amigos zombaram do alerta, o chamando de paranóico. Além disso, eles argumentaram, a palavra "favela" é datada; o termo politicamente correto é "comunidades" –e permanecer distante significa perpetuar o estigma que ainda fere os moradores desses bairros.
Eu deixei de lado a questão da favela por alguns dias enquanto minha filha e eu continuávamos explorando a cidade e arredores. Nós passamos uma dia feliz nos banhando na Prainha, a uma hora ao sul e a um mundo de distância do centro da cidade, com águas azuis tranquilas, pedras arredondadas imensas e uma multidão multirracial de crianças brasileiras que escreviam seus nomes para nós na areia. Minha filha andou em uma tirolesa no Parque da Catacumba, e fizemos um passeio de jipe pela floresta tropical urbana que se espalha pela cidade. Paramos de dizer coisas como "uau, olha que vista", porque víamos vistas deslumbrantes para quase todo lugar que olhávamos.
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Pessoas assistem ao por do Sol na praia do Arpoador, no Rio de Janeiro
Em nossos passeios, era possível ver o quanto o Rio estava se esforçando para estar pronto para os visitantes, com canteiros de obras e equipes de limpeza circulando em macacões laranja. Há novidades por toda parte: uma nova estação de metrô em construção no Leblon, novos guarda-sóis na praia, novos pontos de ônibus.
Mas em momentos eu sentia que estávamos em uma cidade que ainda não explorava plenamente seu próprio vasto potencial. Eu queria ensinar minha filha sobre o Carnaval, que ocorreria na cidade em dois meses, mas fora a visão de arquibancadas de concreto vazias perto do centro e uma loja empoeirada onde ela provou uma fantasia, era difícil encontrar um ponto de apoio. Onde estavam as oficinas de samba com professores de dança e as melhores apresentações de Carnaval de todos os tempos em uma tela IMAX? Na verdade, o Rio conta com um Museu do Samba, mas é obscuro o bastante a ponto de não termos ouvido sobre ele até voltarmos para casa. E os turistas podem frequentar os ensaios das escolas de samba que competem no Carnaval, mas os eventos só esquentam depois da meia-noite, em bairros distantes, muitos deles favelas.
Eu perguntei ao guia que nos conduzia pela cidade naquele dia por que o Rio não faz mais para exibir seus tesouros culturais. Ele virou os olhos. "Os brasileiros fazem o mínimo, eles não investem", ele disse, um sentimento que ouvi algumas vezes durante nossa estadia de uma semana.
No último dia de nossa viagem, eu saí para uma visita à favela da Rocinha, um mundo movimentado e bizantino de lojas, um emaranhado de casas e uma rede elétrica "faça você mesmo", cortada por becos com as menores lojas imagináveis, algumas apenas vitrines abertas em buracos na parede. Meu guia –outro amigo de um amigo– foi Leandro Lima, uma personificação ambulante de quanto a Rocinha estava mudando. Filho de um técnico de aparelhos eletrônicos, ele estava cursando jornalismo e iniciou um site de notícias da comunidade, faveladarocinha.com.
Enquanto caminhávamos pelo morro, com mototáxis passando correndo, ele nos mostrou os novos bancos e florista do bairro, a coleta de lixo ainda irregular, os cartazes pichados de políticos sorridentes de pele clara, a reluzente nova biblioteca construída pelo governo estadual, até mesmo alguns dos sempre presentes praticantes de cooper do Rio. Quando chegamos ao topo, vistas sensacionais surgiam por entre as pilhas de lixo e os nós da fiação elétrica. O Corcovado em uma direção, o oceano na outra, com as asas-delta parecendo como pequenos insetos coloridos suspensos no ar ao longe.
Nós conversamos sobre as mudanças nas favelas, bem-vindas e não –as pousadas que estavam abrindo, as casas marcadas para demolição antes da Olimpíada, sem que moradores fossem consultados. Para os visitantes que desejam explorar as favelas, Leandro deu um conselho: vá com um guia local, e apesar dos passeios de jipe serem legais em outras partes da cidade, evite-os nas favelas, onde os moradores os consideram insensíveis. "Os jipes são quase como um safári, tirando fotos da janela", ele disse.
Do ponto de vista de segurança, a visita à Rocinha pareceu uma caminhada ao sol normal por um bairro movimentado, com policiais posicionados a algumas poucas centenas de metros. Mais ou menos ao mesmo tempo, um amigo enviou a notícia de que um arrastão tinha acontecido na Praia do Leblon 24 horas depois de estarmos lá. Uma gangue de ladrões cercou os frequentadores da praia, levando seus pertences e fugindo antes que a polícia pudesse pegá-los. Assim, qual era o bairro mais inseguro, o Leblon ou a bem mais pobre Rocinha?
Nós partimos para casa naquela noite, nosso experimento no Rio tinha chegado ao fim. Não há como uma cidade viver à altura da badalação "aí vem as Olimpíadas, tudo está incrível agora", que vi em algumas revistas de viagem. Ainda assim, o Rio é facilmente uma das cidades mais visualmente deslumbrantes que já vi.
Nós conhecemos uma das poucas grandes democracias multirraciais do mundo, experimentamos novas frutas maravilhosas e estranhas, alimentamos macacos, tentamos falar português e compramos sandálias maravilhosas. E ficamos bem. Eu espero que minha filha tenha aprendido o início de uma importante lição de viagem: só porque um lugar não é perfeito, não significa que não vale a pena visitá-lo.
Cristo Redentor e vista do litoral do Rio de Janeiro Lianne Milton/The New York Times
Criança anda de tirolesa no Parque da Catacumba, no Rio de Janeiro Lianne Milton/The New York Times
Em
Ipanema, no Rio de Janeiro, vendedores alugam cadeiras e guarda-sóis e
vendem tudo mais que você possivelmente pode precisar, de queijo
grelhado até tops de biquínis Lianne Milton/The New York Times
Pessoas assistem ao por do Sol na praia do Arpoador, no Rio de Janeiro Lianne Milton/The New York Times
Visita
à favela da Rocinha, um mundo movimentado e bizantino de lojas, um
emaranhado de casas e uma rede elétrica "faça você mesmo", cortada por
becos com as menores lojas imagináveis, no Rio de Janeiro Lianne Milton/The New York Times
Fachada do bar Jobi, no Leblon, no Rio de Janeiro Lianne Milton/The New York Times
Vista do litoral do Rio de Janeiro, cidade vai receber jogos da Copa do Mundo em 2014 e as Olimpíadas em 2016 Lianne Milton/The New York Times
* Texto publicado originalmente em fevereiro de 2013.
Tradução: George El Khouri Andolfato
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