Mimo: São Paulo ganha um excelente restaurante (GASTROLANDIA)
Admiro quem batalha por um sonho, com todas as forças, todos os recursos, de todo o coração. Quando essa pessoa tem, além de garra, talento, o negócio fica sério. Muito sério. Esse é o caso de Fernanda Duarte, proprietária do novo e excelente Mimo, nos Jardins.Advogada bem sucedida, Fernanda sempre foi apaixonada por gastronomia. Há pouco mais de três anos, decidiu: queria ter um restaurante. Mas não qualquer restaurante. Não apenas outro restaurante. Queria algo especial, pessoal, no qual estivesse seu dinheiro mas também um pedaço de sua alma.
Começou a procurar imóveis e, muitos meses depois, encontrou uma casa na Rua Caconde. Comprou e passou um ano e meio regularizando a situação do imóvel; outro ano reformando. Nesse meio tempo, demitiu-se, formou-se em gastronomia, passou três meses em uma pesquisa gastronômica entre Nova York e Chicago, contratou a chef Ana Soares- do Mesa III- como consultora. Há cerca de um mês, finalmente abriu as portas do Mimo. E ele é pessoal e especial.
Apesar de não ser a chef - quem comanda a cozinha é Volney Miguel Ferreira, cujo currículo inclui 10 anos na Europa, tendo passado por casas como La Calandre e Martin Berasategui-, Fernanda faz diversas intervenções, além de cuidar da equipe, fazer compras todos os dias, comandar os testes e supervisionar o salão. Ou seja, cuidar do sonho.
O menu é enxuto, de pegada contemporânea, equilibrado. Vê-se que ali não houve pressa: não há combinações dissonantes, cópias mal feitas ou acochambro de qualquer tipo. Os três anos do processo foram muito bem utilizados.
Assim que os clientes chegam, recebem um “mimo”, amuse bouche que variam diariamente e podem ir de vôngoles em caldo sensacionalmente bem temperado até delicados bolinhos de arroz de toque cítrico. O cuidado permeia tudo, dos detalhes da decoração imaculadamente branca a montagem dos pratos. E por falar em pratos…
Não perca uma das entradas mais harmônicas e frescas que já provei: lagosta, erva doce em fatias quase transparentes, laranja-lima, burrata e cubos de gelatina de mimosa (champanhe com suco de laranja; R$ 31). Se preferir algo mais substancioso, recomendo de todo o coração o parmentier de excelente pato com cubos de foie gras e cogumelos, coberto por purê etéreo de mandioquinha (R$ 28): que aroma, que mistura de sabores, que pujança. Coisa de gente grande executar tão bem algo aparentemente tão simples.
Os principais englobam massas, carnes e peixes. Menu do tamanho certo, oferecendo variedade mas sem se estender ou perder-se. Recomendo o orecchiette artesanal em creme de abóbora, com pequenos e adocicados pedaços de abóbora que casam- e tem felicidade eterna- com a farofa de pancetta e amêndoas. Para completar, a tão querida acidez do queijo de cabra (R$ 38).
Se tem algo que acho complicado de encontrar é cordeiro bem feito. Ou vem seco, ou vem semi-vivo. O cordeiro do Mimo é maciíssimo, rosado por dentro, ligeiramente tostado por fora. A carne vem acompanhada de molho de hortelã e tahine, berinjela recheada com trigo grosso crocante, zaatar e coalhada (R$ 61). Belo prato de acento árabe sem cair na pegadinha do excesso de pastas ou azeite.
Então, na segunda visita, provei o burger. NUSSASENHORA! Carne saborosa (levemente temperada), no ponto, coberta por cogumelos porcini grelhados, cebolas também grelhadas, camembert e tutano; tudo envolto em pão preto macio e de interior quente da passagem pela chapa (R$ 32). É de dar aquela mordida farta e deixar o caldo escorrer pelo braço, bochechas, até pingar no prato. Vem acompanhado de salada de brotos e bons chips de batata doce.
Ao contrário de muitos restaurantes que fazem tudo direito e tratam a sobremesa como “que saco, temos que ter…”, Fernanda manteve a alta qualidade também nos doces. Prove a degustação de chocolate em texturas e uísque (R$ 19) que você entenderá. Mousse de chocolate AMMA 85% – que já entrou na minha lista de melhores mousses da cidade, se não o melhor- absolutamente aerado, cremoso, com o toque incrível do amargor. Petit gateau de verdade, no qual a colher pousa com maciez pela casquinha do bolo e aterrissa em um creme quente e sedoso de Valrhrona 60%. Brownie de sonho, ainda morno. Sorvete de chocolate artesanal, sem uso de nenhum espessante – todos os sorvetes são feitos na casa em Pacojet, com creme inglês fresco e zero espessantes. É de uma delicadeza tremenda.
Outra que me ganhou foi a degustação de sorvetes de cerveja (R$ 19), atualmente fabricados com Colorado Indica, Erdinger Weiss e Old Peculier. Eles remetem imediatamente a cerveja do qual foram feitos, mas sem traços alcoólicos exagerados e nenhum açúcar além da conta.
O Mimo resgata o ato de comer bem. Preocupa-se com o que está sendo servido, do começo ao fim do processo, sem necessidade de ter nome de chef badalado no release (que nem sempre vale o que pesa…) nem arquiteto de um milhão de dólares. Ali, faz-se comida de alta qualidade. Pensada. Testada.
Minhas refeições no Mimo foram muito, muito prazerosas – e, na boa, isso é o que mais desejo de restaurante.
Mimo: Rua Caconde, 118, Jardins, tel.: 3052-2517. De segunda a sexta serve almoço executivo por R$ 36,80 (entrada, prato e sobremesa)
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