Não se pode dormir tranquila
Acabo
de comprar, chego em casa, olho bem, coloco em frente do corpo,
experimento de novo. Magnífico. Dia seguinte, antes que tenha a
oportunidade de usar, percebo minha filha, vinte e um anos,
esplendidamente embrulhada no próprio; e como lhe cai bem. De noite
provo a peça pra confirmar a impressão que senti ao adquiri-la, porque,
depois de ver Maria gingando a figura dentro dele, pareceu-me outro
vestido.
De frente pro espelho compreendo que
aquilo não funciona pros meus contornos. Mas se ontem parecia tão
perfeito… É assim mesmo, acontece durante a noite, enquanto dormimos;
pedaços de carne, gorduras inescrupulosas, pequenos depósitos molengas,
disformes, se colam ao corpo, sem que tenhamos feito nada pra adquirir
tais excessos. De uns tempos pra cá ficou perigoso dormir. Não tem a ver
com comida, nem com o vinho do jantar, ou o suflê de chocolate q provei
pra tirar o salgado da boca, sempre fiz disso e sem consequências.
Agora mudou. E se pra você ainda não aconteceu, se está pensando que
isso não lhe diz respeito, não se anime, mudará. Minha cintura que já
foi de pilão está igual a de uma canguru que assisti ontem saltitando
pesadamente no Animal Planet, e a cada semana me cresce mais um
marsupialzinho na circunferência. Com o bumbum rola o mesmo, até mais
grave. O stretch dos jeans não dá conta, a saia não abotoa. Se ao menos
compreendesse a causa desses súbitos acréscimos. A ginástica, o pilates,
a ioga, a corrida, que sempre me reequilibraram quando a balança
acendia o alerta, de nada servem com os volumes de agora; estas
sedimentações noturnas não respondem ao exercício físico. A coisa se
fixa nas sombras, num descuido da gente, acontece quando menos se
espera e nada tem a ver com as inofensivas gordurinhas de outrora. Ouvi
falar de uma lipo – último grito – com infiltração de poderoso líquido
encolhedor da pele aplicado logo após a sucção, que dizem fazer
milagres. Em magras com sobras some tudo, contou a amiga que
experimentou. O colateral é que a fulana está há meses curvada,
praticando dolorosíssimas sessões de fisioterapia pra conseguir voltar a
sua posição ereta de origem. Agora…, funcionou, a barriga dela está
côncava como a de um cão de rua. Não. Não tenho tempo nem disposição,
haverá outra maneira? Qual? Além do ‘dane-se’ (não atingi tanta
sabedoria), alguém sabe uma dica que permita seguir a rotina de forma
minimamente funcional?
A solução que me ocorre é o disfarce.
Nesses trópicos escaldantes não dá pra apelar para a burca nem o chador
(sua versão mais arejada), mas querendo – e aí mora o perigo – pode-se
desviar o foco daquilo que já não encanta, pra setores menos arriscados.
Certas partes do corpo, que num passado recente fizeram a alegria da
moçada, atenção, não fazem mais! A dignidade impõe uma mudança de
estilo. Para escolher o novo modelo é imperativo manter o olho aberto,
aguçar o senso crítico, e provar uma pitada de resignação. Certos
artigos já não prestam serviço; camiseta justa, saia mini, vestidinho
evasé e blusa de manga bufante, melhor evitar. No setor comportamental,
jogar o cabelão pra lá e pra cá também não contribui. Se não consegue
abolir o trejeito, corte o cabelo, é mais seguro.
Pra quem tem a sorte de viver com uma
filha de vinte pela casa, use-a, serve como medidor de ridículo. Não
fossem os comentários (como se tornaram tão repressoras essas
crianças?), basta a criatura vestir qualquer item de meu armário, e, no
ir e vir da bela figura, compreendo pelo avesso, não só de roupas, mas
inclusive, e sobretudo, quais as peças a serem retiradas das prateleiras
do comportamento. Na saúde, na doença, na alegria e na dor, assim como
com o gestual dos cabelos, com a veste emocional também, há o que dá bom
ou mal caimento em cada fase da vida. Mas isso, você há de entender, é
conversa comprida, enroscada demais pra esse texto que me pediram leve.
Vamos ter que deixar pra outros dedos de prosa.
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