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segunda-feira, 1 de abril de 2013

TEXTO: MAITE PROENÇA



Não se pode dormir tranquila


Acabo de comprar, chego em casa, olho bem, coloco em frente do corpo, experimento de novo. Magnífico. Dia seguinte, antes que tenha a oportunidade de usar, percebo minha filha, vinte e um anos, esplendidamente embrulhada no próprio; e como lhe cai bem. De noite provo a peça pra confirmar a impressão que senti ao adquiri-la, porque, depois de ver Maria gingando a figura dentro dele, pareceu-me outro vestido.


De frente pro espelho compreendo que aquilo não funciona pros meus contornos. Mas se ontem parecia tão perfeito… É assim mesmo, acontece durante a noite, enquanto dormimos; pedaços de carne, gorduras inescrupulosas, pequenos depósitos molengas, disformes, se colam ao corpo, sem que tenhamos feito nada pra adquirir tais excessos. De uns tempos pra cá ficou perigoso dormir. Não tem a ver com comida, nem com o vinho do jantar, ou o suflê de chocolate q provei pra tirar o salgado da boca, sempre fiz disso e sem consequências. Agora mudou. E se pra você ainda não aconteceu, se está pensando que isso não lhe diz respeito, não se anime, mudará. Minha cintura que já foi de pilão está igual a de uma canguru que assisti ontem saltitando pesadamente no Animal Planet, e a cada semana me cresce mais um marsupialzinho na circunferência. Com o bumbum rola o mesmo, até mais grave. O stretch dos jeans não dá conta, a saia não abotoa. Se ao menos compreendesse a causa desses súbitos acréscimos. A ginástica, o pilates, a ioga, a corrida, que sempre me reequilibraram quando a balança acendia o alerta, de nada servem com os volumes de agora; estas sedimentações noturnas não respondem ao exercício físico. A coisa se fixa nas sombras, num descuido da gente,  acontece quando menos se espera e nada tem a ver com as inofensivas gordurinhas de outrora. Ouvi falar de uma lipo – último grito – com infiltração de poderoso líquido encolhedor da pele aplicado logo após a sucção, que dizem fazer milagres. Em magras com sobras some tudo, contou a amiga que experimentou.  O colateral é que a fulana está há meses curvada, praticando dolorosíssimas sessões de fisioterapia pra conseguir voltar a sua posição ereta de origem. Agora…, funcionou, a barriga dela está côncava como a de um cão de rua. Não. Não tenho tempo nem disposição, haverá outra maneira? Qual? Além do ‘dane-se’ (não atingi tanta sabedoria), alguém sabe uma dica que permita seguir a rotina de forma minimamente funcional?
A solução que me ocorre é o disfarce. Nesses trópicos escaldantes não dá pra apelar para a burca nem o chador (sua versão mais arejada), mas querendo – e aí mora o perigo – pode-se desviar o foco daquilo que já não encanta, pra setores menos arriscados.  Certas partes do corpo, que num passado recente fizeram a alegria da moçada, atenção, não fazem mais!  A dignidade impõe uma mudança de estilo. Para escolher o novo modelo é imperativo manter o olho aberto, aguçar o senso crítico, e provar uma pitada de resignação. Certos artigos já não prestam serviço; camiseta justa, saia mini, vestidinho evasé e blusa de manga bufante, melhor evitar. No setor comportamental, jogar o cabelão pra lá e pra cá também não contribui. Se não consegue abolir o trejeito, corte o cabelo, é mais seguro.
Pra quem tem a sorte de viver com uma filha de vinte pela casa, use-a,  serve como medidor de ridículo. Não fossem os comentários (como se tornaram tão repressoras essas crianças?), basta a criatura vestir qualquer item de meu armário, e, no ir e vir da bela figura, compreendo pelo avesso, não só de roupas, mas inclusive, e sobretudo, quais as peças a serem retiradas das prateleiras do comportamento. Na saúde, na doença, na alegria e na dor, assim como com o gestual dos cabelos, com a veste emocional também, há o que dá bom ou mal caimento em cada fase da vida. Mas isso, você há de entender, é conversa comprida, enroscada demais pra esse texto que me pediram leve. Vamos ter que deixar pra outros dedos de prosa.

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